(publicado por Fernando Coelho a 23/1/2018 às 19:49, e reproduzido na integra de: https://www.facebook.com/groups/385980901544787/)

Ocasionalmente, ao ler o Cancioneiro da poesia medieval Portuguesa, deparei-me com uma “cantiga de maldizer”, da autoria de Pero Garcia Burgalês (séc. Xlll). Esta cantiga, creio que meio esquecida e que abaixo transcrevo, terá cerca de 750 anos e será o texto poético, mais antigo com alusões a Lagares e a S. Paio de Gramaços. ( até prova em contrário) . Contextualizando: data de 1189 a mais antiga das poesias dos Cancioneiros, atribuída a Paio Soares Taveirós. Além das “cantigas de amigo” e das “cantigas de amor”, os jograis compunham também versos satíricos, irónicos e sarcásticos – eram as “cantigas de escárnio e maldizer”. Reproduzo esta nossa desconhecida “ Cantiga de Maldizer”, abaixo. Se tiver dificuldade na leitura, junto esta interpretação, só para facilitar: O trovador, numa tarde tempestuosa, dirigiu-se ao Juiz de Lagares para que este lhe desse guarida. O Juiz, que é descrito como meio “amaneirado” e de modos afectados , recambiou-o para S. Paio, dizendo-lhe manhosamente que aí podia encontrar um albergue onde lhe dariam pão, vinho e carne. O trovador, maldiz com propositada e fingida gratidão a manhosa informação que o Juíz lhe prestava. Percorrer tal distância com tão forte “aguaceiro”, era evidentemente para se ver livre dele….

Post-Scriptum – Há meses, dei a conhecer a “Catiga”, ao saudoso dr. Correia das Neves. Teve a amabilidade de me remeter uma simpática carta, pela qual verifiquei o seu entusiasmo por esta “ composição”, que desconhecia.

Nostro Senhor, que bem alberguei,
Quand`a Lagares cheguei, noutro dia,
Per ùa chúvia grande que fazia:
Ca prougu`a Deus, e o juiz achei,
Martin Fernández; e disse-mi assi:
– pan e vinh`e carne venden ali
En San Paaio contra u eu ia
En coita fora qual vos eu direi,
Se non achass`o juiz. Que faria?
Ca eu nem un dinheiro non tragia;
Mais prougu`a Deus que o juiz achei,
Martin Fernándes; saiu a min
E mostrou-m` un albergue cabo si,
Eu que compre(i) quanto mester avia.
Se eu o juiz non achasse, bem sei,
como alberguei, non albergaria,
Ca eu errei, e já m` escurecia
mais o juiz, me guariu, que achei;
pero que eu tardi o conhoci
conhoceu-m`el, e saiu contra mi
e omilhou-xi-mi, e mostrou-mi a via
(Pero Garcia Burgalês)